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AUTO-RETRATOS ANTI-ÉDIPO
São Paulo, 20 de outubro, 2021
Nesses anos de 2020 e 2021 senti a intensificação de um processo de metamorfose e transição que já vinha acontecendo desde antes. Nesse período de isolamento e solidão, foi natural aprofundar as investigações no auto-retrato, e experimentar a performatividade para a câmera. Tenho feito esses auto-retratos como experiências de autobiografia, transe e despossessão, quando estou performando para as imagens tento acessar um corpo neutro e um transe através da performance corporal.
Também tenho pensado nas performances para as fotografias como um processo terapêutico que me ajuda a tratar traumas. Fotografar é também um desafio de colocar-se diante do outro, fazer desse encontro algo memorável, como sair de si através da câmera, ou uma dissociação do eu. Buscar aquilo que não se vê, uma fotografia do invisível, uma fotografia que só será vista um tempo depois de fotografada.
“Ei, moço!
E eu inda sou bem moço pra tanta tristeza
Deixemos de coisas, cuidemos da vida
Senão chega a morte ou coisa parecida
E nos arrasta moço sem ter visto a vida
Ou coisa parecida, ou coisa parecida
Ou coisa parecida, aparecida”
Belchior
“autoretrato anti-édipo”, 2021
Aos poucos tenho tentado me separar da figura do “homem” que é passada de pai para filho no contexto da sociedade heteropatriarcal, pensando a autobiografia como uma despossessão. Nessa imagem, contei com a colaboração de Leonardo (meu irmão), que clicou a foto, e de Nelson (meu pai), que topou aparecer e emprestou “seu” cavalo. Chamá-los para participar da fotografia tem sido uma forma de trazê-los para próximo de meus processos artísticos, e de fazê-los cúmplices do meu processo de transição para um corpo livre do gênero. No momento que a fotografia é feita, consigo sair do papel de filho.
"A viagem traduz o processo de mutação, como se a deriva exterior tentasse relatar o nomadismo interior. Nunca acordo duas vezes na mesma cama… nem no mesmo corpo. Por todos os lados, ouve-se o rumor da batalha entre a permanência e a mudança, entre a identidade e a diferença, entre a fronteira e a flutuação, entre os que ficam e os que são obrigados a partir, entre a morte e o desejo." Paul B. Preciado
“Lua nova em virgem”, 2021
Demorei dois anos para conseguir fazer esse auto-retrato com minha mãe, Édila. Foi muito forte fazer o retrato deitade no seu colo. Quando senti o toque do corpo dela aparando e segurando meu corpo fiz as pazes com minha criança ancestral, como um renascimento. Acho que nunca mais vou esquecer da sensação dos braços dela nas minhas costas e das minhas pernas sobre a dela. Foi no final do dia 7 de setembro, e início da noite da lua nova em virgem (o signo dela), com assistência do meu irmão Leonardo na iluminação. Tive medo de machuca-la e ficava tentando aliviar a gravidade, concentrando meu peso na ponta de um dos pés que ficou no chão, meu corpo todo estava suspenso por ela. Ao final da foto dei um beijo e agradeci. Depois, desaguei a chorar. Bença mãe.